segunda-feira, 20 de maio de 2024

(Im)Pertinências selectivas...


Na sequência desta posta no blogue '(Im)Pertinências', reproduzo aqui um comentário que deixei naquele espaço:

Os dois casos mencionados, Ventura e Marcelo, não são minimamente comparáveis, por várias razões:

1. Marcelo é representante do Estado Português. Ventura só é representante do partido Chega.

2. Marcelo apelou ao exercício da violência financeira sobre os portugueses (“reparações”), a pretexto de crimes que os portugueses não cometeram (colonialismo, escravatura, etc.) e que nem sequer eram crimes à data em que foram cometidos. Ventura não apelou ao exercício de qualquer forma de violência sobre os turcos, nem imputou aos turcos qualquer crime.

3. Marcelo foi eleito para defender os interesses dos portugueses, mas agora está a defender os interesses de outros povos em detrimento dos interesses dos portugueses. Ventura foi eleito para defender os interesses dos portugueses e, até mais ver, ainda não defendeu os interesses de outros povos.

4. O cidadão Marcelo não é o Presidente Marcelo. O cidadão Marcelo não está incumbido das mesmas responsabilidades do Presidente Marcelo. Por conseguinte, não se pode conceder ao Presidente Marcelo a mesma liberdade de acção e expressão que seriam concedidos ao cidadão Marcelo. Por exemplo, o cidadão Marcelo pode dizer que Portugal é um erro histórico e que devia ser anexado pela Espanha. Já o Presidente Marcelo não pode, porque isso colidiria directamente com as suas funções.

5. Não havia qualquer hipótese de Marcelo ser julgado, pelo que acção do Chega seria sempre meramente recriminatória.

 

Já quanto a isto:

«Se liberdade significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir.» 

Muito bonito, mas francamente hipócrita. Não me recordo de o (Im)Pertinente se ter pronunciado desta forma quando a Dr.ª Maria de Fátima Bonifácio foi levada a julgamento por “discriminação e incitamento ao ódio” e saneada do ‘Avante da Xoné’, num dos episódios de censura mais descarados e condenáveis de toda a Terceira República.

O (Im)Pertinente talvez “não se recorde”, mas Orwell escreveu essa frase num contexto muito específico, no prefácio do seu “Animal Farm”, em 1945, a propósito da censura institucional exercida pelo Estado. Orwell tinha feito várias tentativas de publicar o livro mas, numa altura em que as relações entre a Inglaterra e o União Soviética estavam no auge, ele fora rejeitado por várias editoras.

Só que o caso de Marcelo não se trata de censura exercida pelo Estado, nem pelos agentes do Estado espalhados pela sociedade. Desde logo porque Marcelo é o Estado. E nem sequer se trata de censura, porque Marcelo jamais seria levado a julgamento. Mas, sobretudo, porque o Presidente Marcelo jurou desempenhar um conjunto de funções específicas que são absolutamente incompatíveis com as palavras que proferiu e, nesse sentido, a acção do Chega foi inteiramente justificada.

Se as palavras tivessem sido proferidas pelo cidadão Marcelo, a acção seria injustificável. Vindas do Presidente Marcelo, a acção é apenas louvável, e o facto de todos os outros partidos terem votado contra só reforça esse louvor.

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