sexta-feira, 4 de abril de 2025

Rui Ramos sobre a condenação de Marine Le Pen


      Ainda a propósito da condenação de Marine Le Pen  por "desvio de fundos europeus para fins partidários", Rui Ramos volta a demonstrar ser o mais lúcido dos fundadores do Observador da direitinha:
 

«O Parlamento Europeu disponibiliza fundos aos deputados para empregarem assessores. Houve partidos que usaram esses fundos, não para pagar trabalho parlamentar em Bruxelas, mas trabalho partidário nos respectivos países. O partido de Marine Le Pen, a líder da oposição em França, foi um deles, e um tribunal francês condenou-a por isso. Os factos que a justiça deu como provados não resultaram, para Le Pen, em qualquer ganho pessoal (ao contrário do caso de François Fillon, em 2017): tratou-se de usar o dinheiro recebido para um fim diferente. Mas não é isso que se discute. O que se discute é a decisão da juíza, invocando um bizarro risco de “reincidência” e “perturbação da ordem”, de privar Le Pen de direitos políticos por cinco anos, com efeito imediato. A intenção foi clara: impedir Le Pen de concorrer às eleições presidenciais de 2027, para que era favorita. Uma autêntica pena de morte política.»

 

Tal como eu tinha escrito neste blogue há uns dias, a ideia foi arredar Le Pen das eleições presidenciais de 2027, condenando-a por um crime pelo qual nunca ninguém antes dela fora condenado.

 

«É muito provável que instâncias judiciais superiores venham a concluir que a juíza se excedeu. A dúvida é saber se o farão em tempo útil, de modo que esta sentença não condicione, como a juíza pretendeu, as próximas eleições. Mas o problema não são os juízes, nem a suposta “judicialização da política”. A juíza até pode ter simpatias de extrema-esquerda, como alguns alegam, mas sem a lei, nada poderia ter feito. A questão, portanto, é a lei que permite a aplicação desproporcionada da pena de morte política a este tipo de delito. Ora, a lei não é feita pelos tribunais, mas pela assembleia legislativa. A classe política, como vários comentadores em França já notaram, pode mudar a lei. Se o não fizer, é legítimo concluir que lhe convém uma sentença que afasta Le Pen das eleições presidenciais. É deste ponto de vista que esta sentença é uma questão política.»

 

Aqui já não concordo totalmente, porque tudo depende da margem que a lei terá ou não para ser interpretada de forma abusiva. Muitas leis são escritas de forma deliberadamente ambígua para que seja o juiz a decidir em função da sua simpatia (ou da sua antipatia) política pelo arguido. O "nosso" artigo 240º do Código Penal é um excelente exemplo disso. Diferentes juízes têm tido interpretações diametralmente opostas daquilo que constitui um "crime de ódio".

 

«A candidatura de Le Pen, depois de condenada, seria um problema para o seu partido. A proibição da sua candidatura por via de uma sentença discutível, baseada numa lei também discutível, é um problema do sistema político. Le Pen anda há anos a ser demonizada pela classe política em França. Essa campanha inspirou todos os outros partidos a colaborarem, aproveitando o sistema eleitoral, para lhe negar representação (em 2017, com 13% dos votos, a Frente Nacional tinha 8 deputados, enquanto o Partido Socialista, com 9,5%, tinha 45).  Agora, levou muita gente a festejar o golpe da juíza. É esse o risco de fobias como a que a classe política tentou criar contra Le Pen: se o “inimigo” é assim tão abominável, então vale tudo para o abater. É o momento em que a democracia começa mesmo a correr perigo: quando aqueles que estão no poder se sentem autorizados, em nome do “bem”, a usar ou a deixar usar leis e instituições de modo perverso. Nos EUA, procuradores de esquerda tentaram parar Trump nos tribunais. Mas nos EUA, não há pena de morte política. Em França, há.»

 

De referir que esta ideia de que vale tudo em nome do "bem" é uma das estratégias políticas mais bem-sucedidas das elites europeias, em especial dos "pensadores" de Esquerda. Há até quem relativize e justifique a violência cometida em nome do "bem", enquanto condena veementemente a violência cometida pelos "maus". Não admira, portanto, que haja tantos terroristas de extrema-esquerda a escapar à prisão, enquanto os militantes de Direita são muitos vezes presos apenas por palavras: "os fins justificam os meios".

 

«Não é preciso estar do lado de Le Pen para estranhar tudo isto. O primeiro-ministro, François Bayrou, tem dúvidas, e até o líder da extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon. Percebe-se porquê. Se a classe política francesa não mudar a lei, vai parecer que, incapaz de persuadir o eleitorado, aproveitou o poder judicial, como na Roménia, para privar os eleitores de alternativa. Na Rússia ou na Turquia, todos sabemos o que significa a “justiça” acusar e mandar prender um líder da oposição. Em França, queremos acreditar que os tribunais são independentes e se limitam a aplicar a lei. Mas se a lei serve para justificar sentenças desproporcionadas, cujo efeito não é fazer justiça, mas sujeitar a oposição a derrotas de secretaria, vai ser difícil de desmentir o ditador que disser que não faz nada que não seja feito em França.»

 

Pois é, caro Dr. Rui Ramos, é aqui que chegamos a uma pergunta que a mim me parece inevitável mas que ainda não vi ninguém formular a propósito deste caso: admitindo que os juízes de instância superior revertem a decisão de inabilitar a Sr.ª Le Pen de concorrer às Presidências de 2027, que consequências haverá para a juíza de instância inferior? Ou melhor, quantas vezes é que um juiz pode "errar" até já não poder continuar a ser juiz?

É que, repare-se: se não houver consequências para quem "erra", então, também não haverá motivos para que essa pessoa deixe de "errar". Aqui na Europa, as decisões do poder judiciário são praticamente inatacáveis, como se os juízes fossem todos imparciais e imaculados. Isso tem de mudar, ou de pouco adiantará mudar de líderes políticos. Os juízes, como todos os seres humanos, têm interesses, clubismos e simpatias. É, portanto, necessário criar instrumentos e mecanismos que garantam que a Justiça é realmente cega em relação aos réus.

Sem comentários: